ANGELO BITÚ
pseudônimo coletivo de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Pedro Tavares Jr.
BITÚ, Angelo. Lyra acaciana. Coleccionada por Angelo Bitú. Rio de Janeiro: 1900. 87 p., 1 f. s/num. com índice. Edição assinada com o pseudônimo de Angelo Bitú, pseudônimo coletivo de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Pedro Tavares Jr. (OR) Capa: serigrafia de Joan Miró. Ex. bibl. Antonio Miranda
EPITAPHIO
Foi nas faixas o assombro da parteira,
Que nunca viu menino tão sizudo;
Sem seu auxílio, elle fazia tudo,
Sem nunca dar trabalho à lavadeira.
Nos bancos do collegio, o proprio Estudo
Pasmou, vendo-o estudar a vida inteira;
E tanto amou aquella brincadeira
Que, à força de estudar, ficou bicudo.
Em um anno formou-se. Foi ministro
Em tres tempos. Dono de um palacio,
Mostrou-se Judas perfido e sinistro.
Passante! vai dizer ao mundo inteiro
Que aqui descança o Conselheiro Acacio,
Que só gostou de si... e do dinheiro!
QUINCAS *1
BOM SENSO
Quando, sahindo do recolhimento,
Elle solta a palavra alta e segura:
" Oh! que bom senso! " a multidão murmura;
E o pae diz assombrado : " que talento! "
Pharmaceutrico Homais na compostura,
Simão de Nantua no merecimento,
Esse moço precoce é o ornamento,
É a honra e a gloria da magistratura...
Não houve nunca no vetusto Lacio
Bom senso assim... Oh ! que juízo inmenso!
Não é um homem, : é um cartapácio !
E, ouvindo-o e vendo-o, deslumbrado penso :
" Este assombroso Conselheiro Acacio
Morre um dia de excesso de bom senso ! "
JUCA *1
SONETO MONOTYTHMICO
(9 DE ABRIL)
Data querida do meu coração !
Eu, mais que qualquer outro cidadão,
Festejo n´uma grande comoção
O aniversário da Constituição !
Graças á minha colaboração,
Ella ficou uma atrapalhação...
Graças a mim, foi uma extrema-unção
O aniversário da Constituição !
Pois, si um berço lhe dei, dei-lhe um caixão !
E amortalhei, n aminha intervençãoo
O aniversario da Constituição !
ACACIO DE XEXAS *1
CONSELHOS
Não lamentes, Acacio, o teu estadod !
Guerra tem tido muita gente boa :
O Conselheiro Acacio, de Lisboa,
Teve inimigos como tu — coitado !
Mas a guerra que importa ? E´s invejado...
Porque não és nenhuma coisa á toa,
Olha bem para mim, levanta a proa,
Sou com tu um cidadão formado !
Tenho bom senso como tu ! Sou medico
Sou jornalista, deputado, tudo,
Sou o Sá Herpes, sou o Encyclospedico !
Póde zombar do riso dos moleques
Quem tem bom senso, Acacio... e, sobretudo,
Quem tem amigos que lhe assignem cheques !
Dr. SÁ HERPES. *1
*1 Obs. No exemplar que temos, está anotado a lápis
que QUINCAS, JUCA, ACÁCIO DE XEXAS,
DR. SÁ HERPES, UM ACADENMICO, MANDUCA,
CADETE, MANEL PACHOLAM é BILAC...
OS DOIS PRESIDENTES
(EM PETRÓPOLIS)
Quando elles vão em seus corcéis ardentes,
Prá-cá-tá, prá-cá-tá, pela cidade,
Desde a avenida Koeller ás vertentes
Do Itamaraty reina anciedade.
Nas ruas pasmo exclama o povo: " Ai gentes,
Um todo é garbo, o outro precocidade ! "
Suspira a rosa : ? " Os nossos presidentes ! "
Murmura a brisa : " Resistir que ha de ? "
E um diz: " Que frescos " ! E outro diz : " Fresquíssimo !
Note esta grande lei. Excelentíssimo,
O ar é mais livre fora de palácio,
E... " mas não proseguiu, que pé, na estrada,
(De onde vem essa voz ?) uma voz brada :
" Qual de voces é o Conselheiro Acacio ? "
DOM BIBAS *2
ACACIADA
(FRAGMENTO DE UM POEMA)
Foi Itaborahy — já deixei dito
Em versos que atrás ficam — o presepio
Do Menino-Jesus do Seixas Torres,
Nasceu, e é voz lá para aquellas bandas
Que, após mammar como um desesperado,
Acacinho em botão ergueu o dedo
E deitou a falar desta maneira :
— "Ser ou não ser quem sou, era o problema...
Nasci ; por isso não é mais hypothese
Meu aparecimento... Exusti ! Existo !
Que doce é a voz que aos meus ouvidos chega
Da água do Lava-pés, das mattas virgens
Do Calundú e Cabussú distantes !
Ó sol... Mas isto vae cheirando a verso
E eu vim ao mundo para ser político.
É você que é meu pae, seu Martins Torres?
Pois que venha de lá essa beijoca !
Você é o Capistrano de Araujo ?
E é você o Fidelis? Ora, viram !
Amigos de meu pae, eis delle o filho !
Eis-me ! e quem sou mostrar vou dentro em pouco;
É só matricular-me no Collegio
Do Menezes Vieira, dar um pulo
A´ Academia, e o verbo meu tremendo
Há de, abalando céus, terras e mares,
Por terra derribar Pedro Segundo !"
Ia assim por deante. O velho, entanto,
O velho pae solicito, pensando
Que phrases taes do filho recém-nado
— Pérolas phrases taes — ao vento soltas
Podiam se perder, indo com o vento,
—" Esperam espera um pouco!" diz-lhe, e brada,
Entrando o corredor, para um dos famulos :
— " Manda vir um tachygrapho depressa !"
Enquanto pela estrada as pernas voam
Do criado a cumprir o que lhe ordenam,
De fedelho orador começa a bocca
A inchar, tão grande é o fluxo de palavras;
Incham-se os beiços, as bochechas incham-se,
E elle pelo nariz súplice geme;
— "Papae, não posso mais, eu arrebento,
Quero continuar !" — "Pois cointinúa !
— Valeu-lhe o pae — mas forte pena é, certo,
Vir a perder-se assim tanta eloquencia !
Fala, meu filho, fala, desembucha,
Derrama em meus attônitos ouvidos
E nos dos circunstante os tesouros
De teu saber ! Mas ai ! não me confórmo
Com ver que vão ficar, sem correr mundo,
Tanto bom senso e ilustração tamanha !"
Abriu-se, então, do infante a bôcca magica
E se pôs a chover cousas tão bellas,
Tão grandes cousas, que da terra o povo
Accorreu curioso : era o vigário,
O collector, o açougueiro, o taverneiro
E a acompanhal-os todo o Zé-.povinho.
Entraram pelo quarto. O velho Torres
Babado todo de contentamento,
Murmurava a tremer a cada ouvido:
— "Ouçam ! ouçam ! Nasceu inda há bocado !
É meu filho ! Ouçam isto ! Que sublime !"
Não eram termos vãos — eram sentenças,
Máximas, pensamentos, apoftegmas,
Regras moraes, concretas e abstractas,
Aphorismos té-li jámáis ouvidos,
Syntheses philosophicas, soberbas,
Explanações do Cosmos, com rajadas
De Analyse de cousas pschologicas.
Já era pôr do sol.s (Elle falava
Desde as tres da manhã). Calou-se o assombri.
A ama, não mais as têtas, mas um bule
De leite frio vem colar-lhe á bocca.
Tudo vasou de um gole o sabio infante.
Preparam-lhe o berço, e elle ao comprido
Pensativo deitou-se, e agora dorme!
Véla-lhe o pae ao pé ; fecha-se a noite ;
Defuma o quarto o cheiro da alfazema.
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DON BIBAS *2
O MAU PILOTO
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Da rôta náo do Estado ao leme
( Não que elle a pique poz vezes ssem conto )
Olha o horizonte ao largo e estuda o ponto,
Onde tem de saltar, que os ventos teme.
Dura necessidade ouve que geme ;
Tral-o baixar á terra afflicto e tonto...
Mas ele exclama : " Vamos, estou prompto !
No grande Allah quem crê, como eu, não treme!
E estou nedio, e estou forte, e em cousas scismo
Tão altas ! " Mas aqui parou ancioso...
Foi de sua consciencia ? foi de abysmo ?
Um brado ouvio então que terrifica :
" Sim, tu te vaes ileso e até garboso,
Mas olha a náo com que buraco fica ! "
DOM BIBAS. * 2
O SANTARRÃO
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Quando a roda do Tempo mais um gyro
Der de cem annos, tu, que á voz de poetas,
A cujos rasgos eu também me inspiro,
Vás da fama imortal traspondo as metas ;
Tu que, como o eremita em seu retiro,
Aos pés esmagas as paixões abjectas ;
E o teu prazo, num languido suspiro,
Ao completar-se o seculo completas ;
Tu, nesse tempo (vem tardia a gloria,
Mas vem ! Acaccio excelso e redivivo,
Terás teu nome a fulgurar na historia ;
E, por graça especial canonisado,
Não Santo Acacio, mas no augmentativo,
Acacio o Santarrão — serás chamado.
DOM BRÁS. *2
*2 Obs. No exemplar que temos, está anotado a lápis que
DOM BIBAS é ALBERTO DE OLIVEIRA.
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Página publicada em janeiro de 2023
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